Guia completo: Rescisão indireta.
- Schio Advocacia
- 5 de abr. de 2023
- 7 min de leitura

Uma das perguntas mais frequentes que recebemos envolve situações desagradáveis no ambiente trabalho, seja por falta de condições estruturais, descumprimento do contrato ou por tratamento humilhante aos funcionários.
Como lidar como essa situação? É possível pedir demissão, mas com ela vêm uma série de renúncias, como por exemplo, ao saque do FGTS, à multa dos 40% do FGTS e ao Seguro-desemprego.
Então o trabalhador deve aceitar as condições desfavoráveis do seu ambiente de trabalho? Claro que não! Para evitar essa situação devemos fazer uso da rescisão indireta.
Ela é um vantagem do trabalhador, pois, na prática, ela permite que se “demita unilateralmente o empregador por justa causa”.
Isso porque, ela admite a saída do emprego caso o patrão não esteja cumprindo com cláusulas acordadas no contrato de trabalho, desobedecendo obrigações legais ou extrapolando no seu relacionamento com os empregados.
Neste artigo, você aprenderá:
Vamos lá?
1. O que é Rescisão Indireta?
Resumidamente, a rescisão indireta funciona como uma espécie de “demissão por justa causa inversa”, ou seja, quando o empregado é quem toma a iniciativa de rompimento do contrato com o empregador.
Ela também é conhecida como dispensa indireta, despedida indireta, desligamento indireto, falta grave patronal ou justa causa do empregador.
Sua utilização se dá nas situações em que se torne insustentável para o colaborador continuar prestando os seus serviços, quando a terminação do contrato decorrer de ato faltoso patronal.
Apesar de ser um instituto pouco conhecido, ela é prevista na CLT, onde estão listados casos específicos para a sua utilização.
Assim como na justa causa aplicada pelo patrão, há cinco elementos que devem se fazer presentes para configurar a rescisão indireta:
A. Tipicidade: as hipóteses permissivas do instituto se encontram previstas em lei;
B. Gravidade: a cessação do vínculo só vai ser reconhecida quando a falta patronal for grave, tornando inviável a permanência do empregado;
C. Nexo de causalidade: relação de causa e efeito entre a falta do empregador e o pedido rescisão indireta;
D. Proporcionalidade: entre o ato faltoso e a despedida indireta, capaz de justificar esta drástica medida.
E. Imediatidade: entre a falta grave e a deliberação do empregado não deve transcorrer grande espaço de tempo, pois isso significaria que a falta não é tão grave assim.
Outro ponto de suma importância desta opção é que o trabalhador sai do emprego recebendo todos os seus direitos, diferentemente dos casos em que se pede demissão.
Em resumo, diante de falta patronal, o empregado pode se opor a ela, exigindo que o empregador regularize a situação, ainda que mediante processo judicial, ou pode requerer diretamente a rescisão indireta.
2. Quais as situações em que ela se aplica?
De acordo com o art. 483 da CLT, a rescisão indireta cabe nas seguintes situações:
Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:
a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;
b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;
c) correr perigo manifesto de mal considerável;
d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;
e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;
f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;
g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.
(...)
§ 3º - Nas hipóteses das letras "d" e "g", poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo.
Ainda que hajam diversas situações aptas a autorizar a sua utilização, é importante esclarecer que a rescisão indireta só será aceita pela Justiça do Trabalho se houver um conjunto probatório robusto para comprovar tal situação.
Assim, é aceito o uso de registros de várias formas, como áudios, vídeos, mensagens em redes sociais e/ou aplicativos, fotografias e depoimentos testemunhais que corroborem a situação alegada.
3. Outros casos que autorizam a rescisão indireta:
Além dos eventos previstos no artigo 483 da CLT, existem outras situações já decididas na Justiça do Trabalho que autorizam a despedida indireta, como por exemplo:
A. Ausência de depósitos de FGTS: Há inúmeras decisões que autorizam a rescisão indireta tanto pela falta de depósitos do FGTS, como nos casos de depósito irregular, ou seja, quando o empregador deposita mensalmente quantia menor do que a efetivamente devida. Para confirmar se o empregador está depositando corretamente os valores do FGTS, é só acessar o site da Caixa Econômica Federal neste link.
B. Assédio moral: Da mesma forma, também é possível pleitear a despedida indireta quando o funcionário sofreu algum tipo de assédio moral que afete o seu bem-estar psicológico. Os exemplos mais clássicos ocorrem quando o empregador quer induzir o colaborador a pedir demissão, aumentar excessivamente a sua produtividade, racismo, homofobia, constrangimentos perante demais colegas de trabalho, ameaças, etc. Nesse sentido, frisamos que o contrato de trabalho não estabelece apenas regras e relações de trabalho, ele é um instrumento importantíssimo de proteção, pois, o empregador deve observar todas as diretrizes existentes para preservar a saúde e o bem-estar físico e mental do seu empregado.
C. Burnout: A síndrome do esgotamento profissional ou síndrome de burnout é um distúrbio psíquico, caracterizado pela tensão emocional e estresse crônicos decorrentes de condições de trabalho desgastantes. Atualmente, já existem decisões na Justiça do Trabalho que autorizam a rescisão indireta do trabalhador que está acometido da síndrome de burnout, desde que seja apresentado conjunto probatório capaz de comprovar a doença ocupacional.
D. Fornecimento insuficiente de EPI’s: De acordo com o art. 166 da CLT, toda empresa é obrigada a prover aos seus colaboradores, gratuitamente, equipamento de proteção individual “adequado ao risco e em perfeito estado de conservação e funcionamento”. Além disso, a nossa Constituição Federal, em seu art. 7º, XXII, garante aos trabalhadores urbanos e rurais a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Quando o patrão não cumpre esta obrigação, ele está colocando as vidas dos seus empregados em risco, possibilitando a rescisão indireta prevista na alínea “c” do art. 483 da CLT.
E. Empregado doméstico: Conforme previsto no art. XX, Lei de nº (Lei do empregado doméstico), este trabalhador tem o direito de pleitear a rescisão indireta nas mesmas hipóteses citadas nas alíneas “a” a “f” do art. 483 da CLT supracitado. Ademais, tal lei acrescentou mais uma hipótese: quando “o empregador praticar qualquer das formas de violência doméstica ou familiar contra mulheres de que trata o art. 5º da Lei nº 11.340/2006”, ou seja, casos de violência tratados na Lei Maria da Penha.
F. Trabalho do menor: O art. 407 da CLT prevê outra hipótese de rompimento indireto do contrato, neste caso de menor de idade, quando as atividades por ele executadas sejam prejudiciais à sua saúde, desenvolvimento físico ou a sua moralidade. Nestes casos, a autoridade competente recomendará à empresa que troque o menor de função, e, não o fazendo, configura-se a rescisão do contrato de trabalho nos moldes do art. 483 da CLT.
4. Como agir para solicitá-la?
O primeiro passo é consultar um advogado especialista em direito do trabalho para entender a situação e decidir qual a melhor estratégia.
Isso porque, caso o funcionário decida que não vai mais trabalhar, o seu empregador poderá acusá-lo de abandono de emprego.
Desta forma, é preciso agir com cautela para assegurar o recebimento de todos os direitos posteriormente.
Caso não haja concordância da empresa na admissão da falta, o colaborador pode pedir demissão (e ter uma grande diminuição nos valores que iria receber), ou, após consulta com um advogado de sua confiança, entrar com uma ação judicial requisitando à Justiça do Trabalho que:
A. Rescinda o seu contrato;
B. Obrigue a empresa a pagar as verbas rescisórias devidas;
C. Pague indenização (nos casos em que necessário).
Com o processo já distribuído, é feito um aviso formal à empresa de que o empregado está pleiteando a despedida indireta na Justiça.
Aqui temos outro ponto decisivo, que é a possibilidade de que o colaborador não compareça mais ao trabalho (ficando sem receber salário) ou que continue trabalhando normalmente, aguardando decisão final do processo.
Esta decisão deve ser tomada em consulta com um advogado especializado, para que não haja erros de estratégia, tendo em vista que os processos demoram um tempo considerável para serem finalizados.
5. Direitos de quem pede:
Caso a demanda seja procedente, ou seja, o(a) empregado(a) ganhou o pedido de rescisão indireta, receberá todos as verbas rescisórias que teria direito como se fosse demitido sem justa causa, como por exemplo:
A. Saldo de salário;
B. Aviso prévio;
C. 13º Salário;
D. Férias vencidas e proporcionais;
E. Saque do FGTS;
F. Multa de 40% sobre o FGTS;
G. Seguro-desemprego.
E mais, como mencionado acima, caso o processo envolva também alguma espécie de indenização (danos morais, danos materiais, estabilidade, etc.), o colaborador também terá direito a um valor referente a este pedido.
6. Alternativas para o empregador tentar evitar a rescisão indireta:
A empresa pode evitar pedidos de rescisão indireta por meio de diversas ações, como por exemplo a implementação de diretrizes internas de identificação e sanção de ocorrências desmoralizantes aos trabalhadores. Nesse sentido, o setor de Recursos Humanos pode contribuir criando canais de denúncia.
Outra iniciativa interessante é a de realizar palestras e eventos internos para educar os empregados sobre as normas e procedimentos adotados pela empresa. Isso permite que todos saibam como agir caso sofram algum tipo de tratamento inadequado, além de evitar um ambiente de impunidade.
Em adendo, é fundamental que a empresa conte com um departamento jurídico competente e bem estruturado, de forma que a sua atuação dê mais segurança tanto à administração da empresa quanto aos empregados.
No entanto, a medida mais importante é a manutenção de um clima amistoso e profissional entre empregador e empregados. Isso contribui significativamente para prevenir problemas judiciais e de pessoal.
Conclusão:
Desta forma, aprendemos que a rescisão indireta é uma medida importantíssima ao empregado, podendo ser adotada quando o empregador descumpre de forma grave e/ou reiterada as obrigações constitucionais, legais e/ou previstas no contrato de trabalho.
Trata-se de uma forma de proteção dos direitos trabalhistas do empregado, que deve seguir um procedimento específico para formalizar a rescisão.
É importante que o trabalhador busque orientação jurídica antes de tomar essa medida, a fim de garantir que a rescisão seja feita de forma correta e que seus direitos sejam preservados, tendo em vista que na grande maioria das vezes este instituto resulta em disputa judicial pelas verbas rescisórias e indenizações.
Portanto, é essencial que empregadores e empregados ajam de forma responsável e cumpram suas obrigações para evitar a necessidade de sua utilização.
Schio Advocacia: especialista em Direito do Trabalho.
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